Mulher atacada em ônibus dá entrevista exclusiva ao Portal

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A violência contra as mulheres e o machismo na sociedade voltaram a ser o centro das atenções depois do caso de Diego Ferreira de Novais, que só na semana passada atacou duas mulheres em diferentes ônibus de São Paulo. O outro caso de abuso foi o de Juliana de Deus, de 25 anos, cantora e jornalista que teve o seio apalpado por um homem sentado ao lado dela no transporte público, em 30 de agosto. Juliana concedeu  entrevista exclusiva para o Portal de Jornalismo da ESPM-SP, onde contou que recebe apoio e ameaças depois do ocorrido, e que tenta “levar a vida como sempre foi”. Juliana pediu que não tivesse sua foto publicada, razão pela qual o Portal apresenta esta entrevista na home com uma imagem produzida na redação.

 Portal de Jornalismo: Você costuma usar com frequência a rota de ônibus em que foi atacada?

Juliana de Deus: Sim, até com uma frequência grande.  É a que eu uso para voltar para casa da escola de música onde estudo, principalmente às quartas-feiras, que foi o dia em que eu sofri o assédio.

 Já se sentiu receio de que algo assim acontecesse?

Foi a primeira vez que algo desse gênero aconteceu comigo. Porém, sendo mulher, sempre estamos num estado de alerta natural. No geral, eu não fico muito preocupada e não ando “armada”. Naquele dia eu não me sentia com medo e nem acuada, até que aquele sujeito se sentou do meu lado, mas ignorei meus instintos, tanto que estava distraída e consequentemente não estava preparada para o que aconteceu.

 Você já tinha sofrido algum tipo de assédio antes?

Não tem um dia que eu não saia na rua em que eu não receba um tipo de assedio, infelizmente. Com certeza, todos os dias as mulheres sofrem assédios em níveis diferentes, os principais são os verbais. Os homens costumam dizer coisas obscenas na rua e no trânsito. Todos os lugares públicos são propícios para isso, além dos olhares abusivos. É como se o corpo feminino virasse um bem público na visão dos homens. 

 Na hora do ocorrido, qual foi o seu primeiro pensamento?

Não existiu. A primeira coisa que passou na minha cabeça foi ir para casa o mais rápido possível na hora. Eu estava com pressão baixa e chorando, tentando me esconder no banco da frente, mas juntei forças na hora para falar com o motorista e a cobradora, que disse que eu devia fazer um B.O. O condutor do ônibus então trancou todo mundo lá dentro, inclusive o assediador, parando na frente de um camburão. Os policiais perguntaram se eu queria denunciá-lo e eu disse que sim, até porque eu tinha uma testemunha que viu tudo.

Atualmente, o feminismo estimulou muitas discussões sobre assédio, abuso e estupro. Isso tudo a influenciou de alguma forma nas ações que você tomou durante o incidente e depois dele?

Eu ainda estou pensando sobre isso, mas acho que inconscientemente as mulheres estão tomando forças para denunciar esses casos e toda essa energia e empoderamento nos atravessa de forma inexplicável. Não sei de onde tirei forças para denunciá-lo. Eu não sabia do caso do homem que ejaculou dentro do coletivo. Me perguntaram se eu fui motivada por isso, da moça que denunciou também. Não diretamente, porque eu não sabia do ocorrido, mas é bom saber que não estamos sozinhas nesse caso.

 Você tem recebido muito apoio depois desse episódio infeliz?

Sim, muito, muito apoio. Inclusive ontem (dia 5 de setembro) recebi flores de um coletivo feminista que me escreveu um cartão muito bonito. Muitas pessoas próximas a mim foram solidárias. Apesar de não diminuir os danos, que foram muitos, inclusive por parte da imprensa, isso é muito importante.

 Recebeu críticas?

Muitas. Demais. Inclusive há poucos minutos, recebi uma mensagem de um dos conhecidos do assediador pelo Facebook me chamando de puta, ordinária, todas as coisas possíveis. Eu não tive meu sigilo de privacidade respeitado pela imprensa e as pessoas estão indo atrás de mim pela minha conta na rede social, o que é fácil de achar. Então eu recebo diariamente mensagens de ameaça, de rapazes querendo me assediar, homens e mulheres da igreja do meu assediador, enfim, coisas horríveis, dizendo que eu inventei tudo aquilo para ganhar fama.

 Você queria ter se mantido anônima?

Sim. Eu denunciei não porque eu acho que essa justiça é a ideal ou porque acho que minha denuncia vai mudar o sistema patriarcal. Fiz por uma razão quantitativa, para as instituições verem que algo precisa ser feito. Agora estou sofrendo as consequências por não ter sido mantida anônima. As pessoas são muito loucas (risos nervosos).

Pensa em entrar com um processo contra o homem que te atacou?

Sim, mas essa história já me trouxe muita dor a ponto de que não sei se posso me aprofundar muito nela. Eu tenho prints das ameaças que recebi, mas não quero perder minha energia com isso. O que eu quero agora é estar em contato com novos jornalistas e usar meu caso para mostrar como a mídia deve lidar  de modo delicado com isso, especialmente com a vítima. Por não terem respeito com meu sigilo, a dor acabou potencializada.  

 Como você leva sua rotina agora? Continua a mesma? Mudou de alguma forma?

Eu faço tudo o que quero fazer. Nenhuma mulher nasceu para ficar escondida, mesmo com medo. Agora eu ando com uma cautela diferente na rua, às vezes com um pouco de paranoia em algumas situações, mas eu não deixei de fazer nada que gosto. Até pensei em sair do Facebook, mas decidi que não sou eu quem deve se esconder e estou tentando levar a vida como ela sempre foi.

Walter Niyama (3º semestre)