Por Rachel Schmalb
»»»Vlado Herzog nasceu no dia 27 de junho de 1937, em Osijsk, na atual Croácia. Ainda muito novo, por volta dos cinco anos de idade, como consequência das perseguições da Segunda Guerra Mundial, mudou-se para a Itália em busca de refúgio com a sua família. Próximo aos seus nove anos, veio para o Brasil junto com os seus pais, Zigmund e Zora.
Desde a infância, o futuro jornalista já se interessava por idiomas e livros. Era uma criança séria e comprometida com os estudos.
No Brasil, cursou graduação em filosofia na USP. Em 1958, com vinte e dois anos de idade, iniciou a sua carreira como jornalista no jornal “O Estado de S. Paulo”.
No mesmo ano, Vlado Herzog decidiu mudar o seu nome para Vladimir, mais apropriado à nacionalidade brasileira.
No começo da década de 1960, conheceu a sua futura esposa, uma estudante de Ciências Sociais chamada Clarice Chaves, com quem se casou em 1964.
Se 1964 trouxe alegrias, também trouxe tragédias. Com o início da ditadura no Brasil, os recém-casados passaram a sofrer perseguições até que, em 1965, mudaram-se para Londres.
Mesmo morando fora do Brasil, Vladimir Herzog continuou com a carreira em jornalismo, na BBC de Londres. Também foi nesse período que ele teve o primeiro contato com o cinema, descobrindo uma nova paixão pelo jornalismo televisivo.
Ainda em Londres, Vladimir e Clarice tiveram os seus primeiros filhos: Ivo e André. Apesar do sucesso na Europa, a família queria retornar ao Brasil. Com o endurecimento do regime militar, contudo, o plano foi adiado.
Entre as principais promessas de emprego para o jornalista no Brasil estava a TV Cultura, que, por conta da ditatura, teve as suas atividades suspensas durante alguns anos.
Retorno ao Brasil
Só na década de 1970 Vladimir voltou ao Brasil. Passou a atuar como editor da seção de cultura da revista “Visão”, em Recife. Anos depois, passou a atuar como professor de jornalismo da Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP).
Posteriormente, com o retorno da TV Cultura às suas atividades, Vladimir assumiu o cargo de diretor de jornalismo, com aprovação do Serviço Nacional de Informação (SNI), responsável por controlar a mídia.
Apesar da aprovação, era sabido que Vlado era ligado ao Partido Comunista Brasileiro, que atuava na clandestinidade. Ele justificava a sua filiação ao partido, para a esposa, devido à sua religião: o judaísmo.
A morte de Vladimir Herzog
No sábado, 25 de outubro de 1975, Vlado Herzog foi assassinado. Na noite anterior, ele espontaneamente se apresentou na sede do DOI-Codi (Destacamento de Operações de Informações/ Centro de Operações de Defesa Interna), em São Paulo, para prestar esclarecimentos sobre suas ligações com o Partido Comunista Brasileiro.
Na manhã do dia seguinte, por volta das oito horas da manhã, Vladimir Herzog foi encaminhado para o prédio do Centro de Operação de Defesa Interna, onde foi brutalmente assassinado após espancamentos e choques elétricos.
Para ocultar as torturas brutais que levaram o jornalista à morte, os militares tentaram forjar uma cena de suicídio.
Usando um pedaço de tecido, a cinta que amarrava o macacão de presidiário, os assassinos de Vlado amarraram uma ponta ao pescoço do jornalista e outra às grades da cela. Providenciaram então a icônica fotografia que tenta comprovar que Vlado tirou a própria vida.
Talvez devido à pressa para organizar o cenário perfeito, e à certeza de que a cena do crime parecia legítima, os responsáveis pela morte de Vlado ignoraram o fato de que o jornalista era mais alto do que as grades da janela, o que o obrigaria a se enforcar com os joelhos dobrados, algo impossível.
Os promotores responsáveis pelo caso queriam encerrar o assunto com urgência, mas os boatos diante da montagem grotesca não paravam de se espalhar. Uma grande responsável por elucidar toda essa história foi Clarice Herzog, que lutou com todas as suas forças para obter a verdade sobre a morte do marido.
Assim, Vladimir Herzog entrou para a história como símbolo da resistência dos jornalistas aos abusos do poder.
Só em 2013, enfim, a família do jornalista conseguiu uma certidão de óbito que responsabilizava as torturas sofridas pelo jornalista como a razão por sua morte – e não o suicídio simulado.
julgamento internacional
A morte de Vladimir ainda repercute. A Corte Interamericana de Direitos Humanos começou a julgar no final de maio deste ano o caso de sua morte para determinar a responsabilidade do Estado brasileiro no caso. Até hoje nenhum dos envolvidos no crime foi punido.
“Talvez a maior importância nessa futura sentença seja provocar uma mudança de cultura no Brasil e responsabilizar o Estado pelos crimes que comete. O que aconteceu com meu pai, há mais de 40 anos, a tortura e o assassinato por agentes do Estado, acontece até hoje”, afirmou Ivo Herzog, o filho, em entrevista à Agência Brasil.