Bebidas adulteradas com metanol preocupam comércio e estudantes

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Funcionário do bar do Bequinho, nas imediações da ESPM-SP. Foto: Sofia Thomaz

Sofia Thomaz e Isabela Ângelo (1º semestre)

O estado de São Paulo enfrenta uma situação alarmante de saúde pública: até o início de outubro, foram confirmados seis casos de intoxicação por metanol, duas mortes e dez casos sob investigação na capital e Grande São Paulo. A substância, altamente tóxica e usada ilegalmente para “batizar” bebidas alcoólicas como gin, vodca e uísque, provocou internações graves, perda de visão e coma em diversas vítimas.

Mais de 942 garrafas foram apreendidas e seis bares interditados em bairros como Jardins, Mooca, Bela Vista e Itaim Bibi. Um gabinete de crise foi criado pelo governo estadual para coordenar ações entre as secretarias de Saúde, Segurança Pública, Fazenda e Justiça. A Polícia Federal também abriu inquérito para investigar a origem do metanol e sua possível distribuição para outros estados.

O metanol é um álcool industrial, incolor e inflamável, que não se destina ao consumo humano e pode causar intoxicações graves e fatais. Segundo a Prefeitura de São Paulo, os sintomas iniciais da intoxicação por metanol incluem dor de cabeça, tontura e náuseas, semelhantes a uma ressaca comum. Os sinais mais graves surgem entre 6 e 24 horas após a ingestão e incluem dor abdominal, fotofobia, taquipneia (respiração acelerada), cegueira, convulsões e coma.

Além das ações da Polícia Civil e da Vigilância Sanitária, o Ministério da Justiça e Segurança Pública, por meio da Senad/MJSP, emitiu uma recomendação urgente aos estabelecimentos comerciais para reforçar o controle sobre a origem das bebidas vendidas. Em caso de sentir algum dos sintomas descritos, ligue para o CCI (Centro de Controle de Intoxicação), que atende 24 horas: 0800 771 3733 / 5012 5311.

Preocupação na “rua das faculdades”

A preocupação se estende aos bares frequentados por estudantes universitários, especialmente na região da Vila Mariana, onde estão localizadas instituições como a ESPM e a Belas Artes. Representantes de centros acadêmicos e donos de bares têm se manifestado sobre a procedência das bebidas comercializadas em festas e eventos estudantis.

O Portal conversou com Vitor Conor, de 31 anos, empresário e sócio dos bares Belisco e Bequinho, localizados na Rua Dr. Álvaro Alvim, na Vila Mariana. Vitor afirmou estar ciente dos casos: “Com certeza! É triste, inclusive. Por eu trabalhar no ramo de bares e restaurantes, recebi muitas ligações perguntando o que sabíamos sobre isso. Assim como a maioria, fui pego completamente de surpresa”, disse o gestor.

Ele garante que seus bares são seguros quanto à procedência das bebidas: “Eu compro da Ambev e da Red Bull. Se você for ao Belisco ou ao Bequinho, verá letreiros da Red Bull, por exemplo. Em uma adega, não há esse tipo de material promocional. Isso significa que, quando compramos diretamente da marca, recebemos itens para marketing, o que nos dá segurança sobre a origem dos produtos.”

Vitor também se mostrou indignado com os preços praticados por alguns estabelecimentos: “Não estou falando de um bar específico da rua, mas dando um exemplo. Às vezes, a molecada busca um copo de 700 ml por R$10,00. No meio do caos, talvez algo positivo surja: a conscientização de que não é só sobre preço ou tamanho do drink. Olhe o que você está bebendo, o que está comendo… A gente cuida do carro, mas não do próprio corpo.”

Na mesma rua, um funcionário do boteco Tia da Pinga que não quis se identificar — bar bastante frequentado por alunos das faculdades Belas Artes (BA) e ESPM-SP — explicou como funciona o fornecimento de bebidas: “A gente pega pela Ambev, que é uma fornecedora, mas também compramos algumas coisas em adegas.” O bar não pretende tomar medidas por enquanto: “Temos contrato com eles e não pretendemos trocar os fornecedores.” O fato de adquirir bebidas em adegas pode representar risco aos estudantes e frequentadores.

A reportagem também entrou em contato com representantes do CA4D (Centro Acadêmico 4 de Dezembro da ESPM). Julia Bassit, Sofia Aguiar e Helena Ravagnani afirmaram que as bebidas das festas organizadas pela entidade são adquiridas diretamente da fábrica: “A gente pega direto da fábrica. Vem lacrada, certificada e com nota fiscal. Não compramos em atacado nem de terceiros. A Gruppo, produtora de eventos, se responsabiliza por tudo.”

Elas reforçaram que não têm controle sobre casos externos: “O que fazemos já é suficiente. Se a bebida vier adulterada, o problema é da marca, já que veio direto da fábrica.” O CA4D publicou um comunicado no Instagram reiterando a procedência e qualidade dos produtos da festa Quinta Funk, marcada para 23 de outubro. As dirigentes também buscaram depoimentos de jovens nos bares citados. No Bequinho, ao lado da ESPM, três estudantes expressaram preocupação.

Tomás Pasquini, 21 anos, estudante do segundo semestre de Engenharia Musical na Belas Artes, disse: “Minha preocupação com os outros chega a dez, mas comigo é um. Só bebo cerveja, não destilados. Vou alertar minha namorada e amigos para tomarem mais cuidado.”

Tiago Bonomi, 22 anos, estudante do primeiro semestre de Psicologia no Mackenzie, está há um ano e sete meses sem beber: “Os caras são meio inconsequentes. Tem que ficar de olho. Já mandei uns stories no Instagram alertando a galera.”

Lucas Silveira, 22 anos, estudante do segundo semestre de Jornalismo na ESPM, comentou: “Não confio nas bebidas das festas, mesmo com nota fiscal. Muitas vezes, a procedência não é prioridade. Acho que o ideal seria chegar já alcoolizado com bebida de confiança e, na festa, consumir apenas bebidas lacradas. Também podemos reduzir o consumo, faz parte.”

Casos graves e investigação jornalística

No dia 28 de setembro de 2025, o Fantástico, programa de jornalismo investigativo da TV Globo, exibiu uma reportagem sobre os casos. Segundo autoridades, pelo menos 16 pessoas foram internadas após o consumo de bebidas contaminadas. Diogo Marques de Sousa, de 23 anos, relatou ter perdido temporariamente a visão após a ingestão de gin comprado lacrado em uma adega na zona sul de São Paulo.

Em depoimento ao programa, Diogo afirmou: “A gente comprou numa adega perto de casa. Era uma bebida de boa qualidade, não esperávamos nada de ruim.” Rafael dos Anjos Martins Silva, amigo de Diogo, está internado em coma desde 1º de setembro. Sua mãe, a enfermeira Helena Martins, declarou: “Ele está respirando por ventilação mecânica, sem fluxo sanguíneo cerebral. Segundo os médicos, é irreversível.”