“Foi preciso perder para ganhar”, diz artista de rua

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O sorriso contrasta com a imagem de sério que quer externar. Foto: Thayane Matos

A Avenida Domingos de Moraes, na altura do Shopping Santa Cruz, está em constante movimento. Nas ruas cheias de carros, pessoas trotam pelas calçadas e faixas de pedestres (ou até fora delas). Inserido nesse movimento frenético, no curto período em que o semáforo fecha, há alguém que mostra sua arte.

Em frente aos automóveis parados, Luiz Cláudio Oliveira da Silva usa o asfalto como palco. Seus tacos em chamas voam pelo ar, pousando em sua garganta ao fim do show. O suor descansa em sua pele negra. Os olhos brilham com o reflexo do fogo e com o prazer de realizar a atividade que gosta.

A invisibilidade do trabalho autônomo na rua, muitas vezes confundido com a “vagabundagem”, contrasta com a vontade de se mostrar, exibir suas habilidades. Entre os carros, esperando sua recompensa, ele recebe elogios ou críticas; vidros fechados ou escancarados; um “hoje não tenho” ou um trocado.

Por mais que haja variações em seu trabalho, Luiz não desiste de realizá-lo. Porém, segundo suas próprias palavras, está aberto para oportunidades que lhe darão uma vida melhor.

Seu chapéu de bobo da corte dá um aspecto cômico ao seu cotidiano. Todavia, em frente às câmeras, finge ser sério. Mas logo perde a testa franzida e abre um sorriso quando fala com alguém em particular. Sempre cumprimentando os motoristas dos ônibus que passam, sorri até para quem não conhece.

É necessário ser extrovertido para ter sucesso nesse emprego, pelo menos é o que Luiz afirma. Ele sabe que conversar com as pessoas, mesmo que elas não se importem com ele, é importante para ser bem sucedido nas ruas.  Sua arte é motivo de orgulho, é o emprego que costura um sorriso em seu rosto. Suas roupas desleixadas não são resultado de descuido, mas da quantidade de tempo em que trabalha. “Passo a maior parte do tempo aqui, de terça ao domingo. Fico em casa só segunda-feira”, diz.

No dia de folga, ajuda a família, que, inclusive, surgiu após a morte da mãe do malabarista. “Ela adoeceu e, quando descobriu, já estava em um nível avançado”, conta. O brilho no olhar não é mais de alegria, mas de dor. “Foi através disso que eu construí minha nova família”, completa. Com os olhos cheios de lágrimas pela emoção, a história fica incompleta. Mas a sua conclusão ressoa entre os automóveis que passam pela avenida. “Foi preciso perder para ganhar”, é a sua mensagem.

Trabalho

Nem todos os 27 anos de vida foram assim. Antes costumava trabalhar como auxiliar de limpeza e ajudante de cozinha. Até que, há cinco anos, um amigo que já trabalhava na rua o ensinou a arte. Comecei e estou aqui até hoje”, diz, com um sorriso brincando em seus lábios. Enquanto trabalha, pensa no sonho que tinha desde criança. “Meu sonho mesmo era cantar”, sussurra. Hoje, o malabarista toca percussão, tem o dom da música. Mas a única trilha sonora do seu trabalho é o som dos automóveis passando pelo asfalto.

Luiz mexe as mãos com graciosidade, evitando o erro. Os bastões dançam para baixo e para cima, e o artista não perde o foco. Vindo do Grajaú até a Santa Cruz, ele não tem mais medo de trabalhar na rua, já se acostumou à correria e às noites escuras. Nem mesmo seus tacos em chamas o machucam mais.

Na verdade, ainda resta um temor, o de não ser entendido e discriminado. E é isso que ele é, mal compreendido, discriminado e ignorado em meio à correria de São Paulo. Ele mesmo o diz. Mas ainda há quem enxergue os invisíveis.

Thayane Matos (2° semestre)