Conheça mais sobre a Umbanda, uma fé de origem mestiça como o Brasil

Frequentadores e rituais de Umbanda em terreiro de São Paulo | fotos Fernando Turri

Share

Bianca Gomes de Carvalho
Beatriz Medaglini
»»» Um terreno vazio, onde os rituais são feitos à noite. Uma fogueira no centro, com pessoas em forma de círculo envolta dela. Homens e mulheres com roupas coloridas, em estilo havaiano. Mulheres com saia de palha. Música forte. Assim é um terreiro de Umbanda, segundo a estudante de odontologia Isabela Lopes.

Frequentadores e rituais de Umbanda em terreiro de São Paulo | foto Fernando Turri

Uma sala branca no fundo de uma casa. Imagens de santos, de homens negros e de índios. Os que participam da reunião, efetivamente, estão vestidos de branco. Mulheres de saia de pano e homens de calça. Os que só assistem vestem roupas do dia a dia e permanecem sentados em um banco na mesma sala. Uma música ao fundo é produzida por três jovens que tocam, em ritmo contagioso, a trilha do culto. Este é o cenário que compõe uma gira no terreiro de Umbanda do pai de santo Aurélio, na região sul de São Paulo.
No Brasil, a visão sobre o que é a Umbanda é distorcida. O preconceito não se limita ao gênero, idade ou classe social. Ele se perpetua há anos no território e não corresponde em nada ao que verdadeiramente é a religião. “macumba”, “coisa do mal”, “magia negra”, são alguns dos estereótipos pensados quando se fala em Umbanda.
Apesar dos preconceitos, a Umbanda pode ser vista como um dos grandes símbolos do Brasil. Embora muitos acreditem que a religião tenha origens exclusivamente africanas, ela nasceu em território brasileiro, sendo influenciada pelas principais religiões trazidas pelas matrizes que ocupavam o Brasil colonial. Dos índios herdaram o espiritismo, dos africanos, o candomblé, e dos portugueses, o catolicismo.

foto Fernando Turri

Ela nasce no começo do século XX, como filha do sincretismo religioso do Brasil. Tem sua “anunciação” no Rio de Janeiro, num contexto de proclamação da República e abolição da escravatura, quando na teoria surgiu a preocupação de inserir, efetivamente, os negros na sociedade branca urbana. Logo após seu surgimento, a religião se difunde por todo o território, não mais se limitando ao Rio de Janeiro.
Apesar de possuir raízes muito antigas, a primeira tenda umbandista teve seu registro em cartório apenas em 1908. O chamado “mito de origem” conta que a Umbanda surgiu quando o Caboclo das Setes Encruzilhadas, em uma mesa espírita, baixou em um jovem de 17 anos, Aurélio Fernandino de Moraes.
Segundo esse mito, o caboclo teria reivindicado seus direitos de se expressar e discursado contra a discriminação de cor e classe social que as pessoas lá presentes sofriam. Logo no dia seguinte, incorporado novamente no jovem Zélio, o caboclo deu inicio à nova religião.
A Umbanda não é uma simplificação do Candomblé, apesar de compartilhar características em comum. Ela pratica, principalmente, a caridade, motivo pelo qual existem as sessões de culto. “A umbanda é a religião dos caboclos, boiadeiros, pretos velhos, ciganas, exus, pombagiras, marinheiros, crianças. Perdidos e abandonados na vida, marginais no além, mas todos eles com uma mesma tarefa religiosa e mágica que lhes foi dada pela religião de uma sociedade fundada na máxima heterogeneidade social: trabalhar pela felicidade do homem sofredor”, afirma o especialista em religiões afro-brasileiras Reginaldo Prandi.

foto Fernando Turri

A Umbanda é uma religião que instiga a mobilidade social de todos os grupos do país, independente de status. Para ela o homem deve procurar, em vida terrena, a felicidade. Não se compartilha a ideia de que é preciso sofrer nessa vida, mas alterar a ordem e se realizar. O candomblé, da mesma forma, apoia essa ideia. Segundo Reginaldo Prandi,“A presença da entidade no transe ritual volta-se mais para a cura, limpeza e aconselhamento dos fiéis e clientes.”
Os rituais não são padronizados, variam de terreiros para terreiros, mas em geral tem o objetivo de evocar o orixá ancestral, orixás menores e guias (espíritos antepassados) e protetores (espíritos que auxiliam os guias, como é o caso de boiadeiros, marinheiros e baianos).

foto Fernando Turri

Durante o culto, os médiuns fazem o intermédio entre o físico e o espiritual. A mediunidade permite que os mestres espirituais possam aconselhar e curar os que precisam de ajuda. Por esse motivo, ser médium não é considerado uma vergonha, e sim um dom.
Apesar de representar bem a mestiçagem brasileira, a Umbanda ainda hoje obtém uma baixa adesão no Brasil. Segundo Prandi, a justificativa é o fato de as religiões afro-brasileiras terem surgido em um contexto histórico cujo catolicismo era a religião predominante no país, e até o fim do século XIX a única permitida.
Atualmente, mesmo com a liberdade religiosa, o preconceito às religiões afro-brasileiras persiste por diversos motivos, sendo um deles os frequentes ataques que as igrejas neopentecostais fazem, segundo Ricardo Mariano, pós-doutor em Sociologia da Religião pela USP. O pai de santo Aurélio afirma que esse preconceito surge da “falta de entendimento e consciência sobre o que é a religião Umbandista”. “Deus não deixou a religião, deixou o amor, que é aquilo que nós temos que praticar. Devemos ensinar o que é o amor.”