Carolina Mello e Giulia Castro
Com cerca de 116 mil espécies animais e 46 mil espécies vegetais conhecidas, espalhadas pelo território nacional, o Brasil é a nação com maior biodiversidade do mundo. Mesmo assim, o tráfico de animais é a terceira maior atividade ilegal no país. Em média, cerca de US$ 20 bilhões são movimentados por ano nesse mercado mundialmente. Desses, 15% vêm somente do Brasil.
De acordo com a bióloga Maria de Fátima Brito, administradora da página do Instagram @umabiologadisse, esse crime também é chamado de biopirataria. “Biopirataria é como pode ser chamada a apropriação indevida de recursos biológicos da flora e fauna. Pode ser cometida por pessoas ou empresas que tenham acesso ao uso desses bens naturais para controle exclusivo, mas acabam visando a exploração comercial”, explica a especialista.
O Brasil é um dos principais alvos de comerciantes ilegais por conta da Floresta Amazônica. A grande diversidade de animais silvestres e exóticos que o país possui acaba sendo extremamente chamativa para aqueles que visam o lucro por meio do tráfico de animais. A falta de fiscalização e de punição é um dos principais fatores que contribuem para a continuidade da atividade.
Segundo dados coletados pela (Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres (Renctas), a estimativa é de que anualmente 38 milhões de animais sejam retirados das florestas e matas brasileiras. Para Maria de Fátima, o número é absurdo, já levou à extinção de diversas espécies e a tendência é que leve ainda mais. No Brasil, as aves são os animais mais capturados e vendidos no mercado negro, mas muitas outras espécies são frequentemente requisitadas pelos compradores como o mico-leão-dourado, jiboias e tucanos.
Dentre os inúmeros malefícios que a atividade traz para o meio ambiente, a bióloga destaca que a extinção de espécies é um dos mais preocupantes. “Muitas delas são endêmicas de uma região, ou seja, só existem ali, então o tráfico reduz o movimento e reprodução entre as espécies tornando-as mais vulneráveis.” Além disso, os maus-tratos e as condições precárias de cativeiros a que os animais são submetidos causam alterações comportamentais, traumas e estresse, dificultando a integração desse animal na natureza. “E para além de toda a questão sustentável, o tráfico de animais ameaça a saúde humana por conta da disseminação de zoonoses”, completa.
Mas apesar de todos esses fatores, o principal motivo para esse mercado ser tão movimentado é a alta lucratividade. Para os compradores, quanto mais raro o animal for, maior é o interesse. Consequentemente, maior o preço. Dessa forma, os valores podem facilmente passar de R$ 10 mil, principalmente nas espécies mais exóticas.
Nesse sentido, Maria aponta que existem ainda diferentes classificações de biopirataria de acordo com seu objetivo: “A gente pode citar, por exemplo, a utilização de princípios ativos de plantas para produção de cosméticos ou medicamentos, a exploração ilegal de recursos madeireiros e, claro, a captura e venda de animais silvestres para colecionadores, zoológicos ou uso como recursos alimentícios em mercados informais”. Resumidamente, quando se fala especificamente do tráfico animal, as categorias são as seguintes:
– colecionadores particulares: compradores que buscam principalmente animais silvestres em extinção para ter em casa como pet. Ex: arara azul, mico-leão-dourado, jaguatirica.
– fins científicos: animais que são utilizados como cobaias para testes de produtos e remédios.
– subprodutos: produtos que os animais podem oferecer para serem vendidos, como por exemplo o marfim dos dentes de elefantes, penas de aves, pele de onça e lebres.
– pet shops: locais de venda de animais que não possuem autorização para procriação e venda de certas espécies. Essa modalidade é a que mais incentiva o tráfico de animais silvestres no país atualmente.
Com tantas maneiras e vias para essa atividade ilegal, o país tem enfrentado dificuldades para frear o problema. Ainda assim, existem diversas iniciativas, públicas e privadas, que visam minimizar a biopirataria.
Um exemplo é o comitê especial intergovernamental, criado pela Organização Mundial da Propriedade Intelectual (Ompi), que juntamente com Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e Cultura (Unesco) e Organizações não-governamentais (ONGs) buscam estratégias para a solução desse problema.
A Ompi tem solicitado que as nações registrem as informações sobre sua biodiversidade e conhecimento tradicional em um banco de dados disponibilizado para domínio público. No Brasil, a lei 13.123/2015 dispõe sobre o acesso ao patrimônio genético, proteção, acesso ao conhecimento tradicional associado, repartição de benefícios para conservação e uso sustentável da biodiversidade.
Em relação ao abate, captura, maus-tratos e ação predatória de animais silvestres, a lei 9.605/1988 dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas dessas condutas. Considerando o combate e o comércio de animais silvestres, também é possível citar outras iniciativas como a Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres (Renctas), que visa rastrear e combater o comércio ilegal, especialmente na Amazônia, biomas de floresta tropical e cerrado.
Já o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) atua na fiscalização, aplicação de multas e resgate de animais mantidos em cativeiros clandestinos, submetidos a maus-tratos e vendidos em comércios ilegais. É importante lembrar, entretanto, que o Ibama não atua sozinho e suas atividades se articulam com outros órgãos fiscalizadores, ONGs e demais entidades envolvidas na proteção da fauna silvestre.