“ESG é uma vantagem competitiva neste momento”

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Laura Cavalari e Melissa Alonso

“A estrada para os moldes da sustentabilidade é a direção que impulsiona a conservação do meio ambiente, unindo a sociedade, o governo e as empresas comprometidas com a causa. Propondo conectar o presente e o futuro, a preservação dos recursos naturais para as gerações futuras se torna indispensável.”

Nesta entrevista, Marcus Nakagawa, fundador e conselheiro da Associação Brasileira dos Profissionais pelo Desenvolvimento Sustentável (Abraps) e professor de graduação e MBA da ESPM-SP, revela as principais questões relacionadas à ética, responsabilidade socioambiental, empreendedorismo social, terceiro setor e empreendedorismo sustentável.

Ele assume o compromisso de uma vida mais sustentável e comunica a real necessidade de unir-se aos ODSs, que são os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. “É uma das coisas que eu sempre gosto de falar. Os 17 objetivos que deveriam ser comuns ao governo, às escolas, às empresas e à sociedade são os grandes desafios do mundo”, diz.

No passado, o modo sustentável de levar a vida era distante e considerado um desafio. Com o passar dos anos, as práticas sustentáveis se aprimoraram e se tornaram mais simples na inserção no cotidiano. Desse modo, empresas, instituições de ensino e organizações governamentais adotaram medidas que prezam por esse modelo.

Nakagawa, que também é doutorando em Sustentabilidade pela EACH (USP), expressa como a pandemia despertou o desejo de mudança e reflexão sobre o mundo. Assim, as questões acerca do conceito ambiental e da valorização da vida sustentável se consolidaram. Segundo ele, a ideia superficial de apenas lucrar a qualquer preço sem se preocupar, de fato, com o meio ambiente, perdeu o seu valor. Dessa maneira, a ascensão do termo em inglês ESG, que foca no ambiental, social e governamental, vem ganhando força e revertendo o antigo modelo das empresas, instituições e ONGs que não abraçavam a causa. “O ESG é um pensamento estratégico que deve estar dentro da organização, junto com missão, visão e valor, com metas definidas, no social, ambiental e de governança, porque no financeiro todo mundo tem metas, objetivos muito bem definidos”.

 

Quais são os meios mais eficazes para implantar a sustentabilidade no dia a dia?

 A primeira coisa a fazer no dia a dia é estudar e conhecer bastante sobre o tema. Conhecer principalmente os seus impactos ambientais, sociais e econômicos que você gera, tanto os positivos quanto negativos. Esse daqui é um dos pontos muito importantes. A implementação é começar um dia após o outro, para assim poder fazer disso um hábito, como a gente faz quando aprende escovar o dente. E aí você habitua-se a escovar o dente. É igual a gente aprendeu agora lavar a mão toda hora que chega em casa, ou tira o tênis, coloca a máscara, ou seja, são todos os hábitos, mas que você vai levar tanto para questão social quanto para questão ambiental. Então realmente é começar no seu dia a dia, continuar e tornar isso um hábito.

 

Quais são os principais motivos para as empresas aderirem à sustentabilidade?

 Primeiro as empresas vão aderir porque cada vez mais os investidores estão de olho nessas empresas, se elas adotam o ESG, se elas são sustentáveis. Segundo ponto, toda vez que você tem uma gestão para sustentabilidade e gestão com indicadores ESG, o risco de você ter um problema é menor. Alguns exemplos como você não ter mão de obra infantil no seu fornecedor, de não jogar o lixo no lugar errado, ou seja, diminuir seu risco na gestão. Tudo isso são pontos atrativos para o consumidor final. Então tem várias pesquisas mostrando que mais de 50% dos consumidores pagariam mais por produtos sustentáveis de empresas mais sustentáveis, e também você não é “cancelado” na internet, porque ultimamente, agora o negócio é cancelar as marcas e os produtos. E será efetivamente uma vantagem competitiva nesse momento. E lá para frente vai ser o padrão normal que todo mundo vai ter. E o que hoje é uma vantagem competitiva, no futuro vai ser uma manutenção do mercado, uma sobrevivência, uma perenidade e uma sustentabilidade no negócio.

 

No seu livro 101 dias mais sustentáveis para mudar um mundo, é relatado como abordar um consumo consciente, quais são os primeiros passos para isso?

 O consumo consciente é baseado em algumas perguntas para mudar o seu comportamento e também para você trazer alguns conceitos como: sustentabilidade, responsabilidade social, de menos impacto ambiental, para assim se posicionar quando for comprar. O primeiro ponto a se perguntar é: “Por que comprar?”. Você realmente está precisando comprar isso, se daqui duas semanas você pensar e voltar lá atrás será que você não foi só iludido pelo momento do impulso. O segundo é: “O que comprar?”. Então pesquise bem, vá atrás na internet, busque a empresa, veja se aquele produto pode ser substituído por outro produto mais sustentável que agrida menos o meio ambiente, que seja reciclável, que tenha menos embalagens, assim por diante. O terceiro é: “Como comprar?”. Analisar se você tem dinheiro para isso, ou é por impulso. O quarto é: “De quem comprar?”. Você vai comprar de uma empresa que tem um respaldo muito bacana, que tem indicadores de sustentabilidade ou de quem tem históricos de maus-tratos a animais, maus-tratos de pessoas, homofobia, apoiando movimentos contrários à democracia. O quinto é: “Como usar?”. Utilize com muito cuidado, para não quebrar, durar mais, para depois poder doar para alguém, para você fazer a reciclagem corretamente, usar de uma forma mais correta. E o sexto é: “Como descartar?”. A gente entra aí na economia circular, na reciclagem. Será que isso não pode passar para frente, por exemplo, um celular que não usa doar para alguém, melhor do que deixar guardado na gaveta ou em algum lugar que não se deve. Então essas seis perguntas, são as perguntas do Instituto Akatu de consumo consciente, que tem o trabalho muito bacana de conscientizar as empresas, as escolas, para que esse consumo seja mais consciente.

 

Como as empresas vão se adaptar a essa mudança sustentável?

 A grande dificuldade de empresas grandes e multinacionais é que qualquer mudança de cultura corporativa é muito complicada, muito lenta, tem muita gente, tem uma questão educacional interna a se trabalhar. Mas, se eles não fizerem isso, essa mudança irá gerar valor não somente para o acionista, mas para quem investe o dinheiro, ou no cliente, os outros stakeholders, ou próprio funcionário. O acionista vai ficar com medo de investir em uma empresa que só gera lucro a qualquer custo, e esse é o grande medo. A grande mudança de pensamento, onde grandes empresas precisam não ganhar lucro a qualquer custo, você tem sim um impacto positivo e negativo na sociedade, nas pessoas, no planeta, no seu ambiente externo, nos seus stakeholders e cada vez mais você precisa minimizar ou até zerar o impacto, para que você possa por exemplo regenerar uma floresta, desenvolver uma comunidade local, para que ele possa ser sustentável, treinar seus funcionários para que ele cresça dentro da empresa. Tudo isso é uma mentalidade de ganhar, que você gera valor não somente a qualquer custo para seus acionistas. Não que você vai deixar de gerar valor, aí você deixa de ser empresa, e a empresa precisa gerar valor para o acionista, mas não é só para o acionista, mas sim gerar valor para todos os stakeholders e todos os públicos de relacionamento.

 

Quais são os erros mais comuns que as empresas cometem com a questão do ESG?

 Acho que um dos grandes problemas é o tal do greenwash (ESG washing, diversité washing, social washing) que muitas vezes no afã de querer fazer uma atividade – e tudo bem não querer fazer atividade não é o problema isso – porém, ele antes não cuidou da casa, não cuidou lá dentro dos seus funcionários, não cuidou dos seus processos, não cuidou da estratégia de colocar o ESG na estratégia do negócio, da missão, visão e valores; de estabelecer metas definidas dentro do ESG. Agora com isso definido, ter um departamento, pessoas dedicadas a isso, para depois divulgar e trabalhar externamente. Um segundo problema é a educação, as pessoas não sabem o que é o ESG, o conhecimento, os grandes organizadores, as ações, não é em todos os níveis de organizações que as pessoas sabem o que é o ESG. Tem muita gente que acha que ainda é fazer projeto social, que é cuidar do carbono e ter diversidade, então pronto eu tenho ESG, porque estou cuidando do carbono, tenho programa de diversidade (não quer dizer que tenha indicadores), não que isso não seja importante, mas não é só isso o ESG, é muito mais do que isso. São muitos e muitos indicadores para você trabalhar.

 

Por qual motivo a pandemia desencadeou o sentimento de preocupação com a questão socioambiental?

Eu tenho a sensação que as pessoas por passarem muito tempo em casa consumindo muita informação de diversos tipos, começaram a fazer uma reflexão própria, da sua existência e do mundo. Assim, quando descobrem a quantidade de resíduos que você gasta, faz as pessoas pensarem no seu consumo, perguntarem se realmente precisavam daquilo que estavam consumindo. Além disso começaram a se perguntar de onde veio todo esse processo. Acho que a somatória de todos esses pontos acaba fazendo que as pessoas despertem um olhar não só para o seu dia a dia de trabalho, como pagar conta, boleto, ganhar dinheiro, mas uma reflexão maior sobre a existência no planeta Terra.

 

Você acredita que as empresas atuais realmente se preocupam com a temática da sustentabilidade ou ainda estão presas a antigas normas?

Acredito que as empresas também estão querendo se reinventar depois da pandemia. Grandes empresas que fazem cervejas ou refrigerantes e começaram a fazer embalagem. A pergunta é será que a gente está fazendo produtos que são de necessidade primária, está ajudando o planeta, ajudando as pessoas, acho que elas tentaram efetivamente criar um porquê para os produtos e serviços que elas oferecem para a sociedade. E aí eu gosto muito de falar do back to the base, ou seja, voltar às coisas básicas, não só do que você fazia, mas talvez a base da pirâmide. Já que a grande população está abaixo da linha da pobreza (depois da pandemia ainda mais), assim a gente precisa incluir esse público que está com as suas necessidades básicas não atendidas.  Aí as empresas têm toda tecnologia e conhecimento para poder oferecer esse tipo de serviço produtos de melhoria na qualidade de vida dessas pessoas. Com isso, eu acho que se elas repensaram nas suas missões, visões e valores, estarão nesse processo. O ESG traz exatamente esse cabedal de indicadores para que eles possam verificar o que eles realmente estão fazendo. Se o negócio traz um impacto social,  desenvolve projetos de melhorias para o planeta, inclusão para as pessoas. Então acho que foi muito importante para as empresas repensarem o porquê isso vai fazer a continuidade dela, a perenidade dela, vai fazê-la centenária, como as grandes empresas estão fazendo.

 

Tem alguma dica ou curiosidade para falar sobre o ESG, que quase ninguém sabe, ou algum ponto interessante?

 O debate nas Nações Unidas em 2015 teve como principal ponto a discussão sobre os objetivos de desenvolvimento sustentável e 17 objetivos que deveriam ser comuns ao governo, às escolas, às empresas, à sociedade, às ONGs, são os 17 grandes desafios do mundo. As pessoas deveriam colocar isso como o seu objetivo principal de vida, de sobrevida e assim por diante. Os ODSs balizam todas essas mudanças. Dentro das organizações há muitos tópicos do ESG que estão totalmente ligados aos 17 ODSs. A partir disso criar projetos de melhoria das questões de diversidade de carbono, de reciclagem, de inclusão social,  desenvolvimento comunitário e treinamento de funcionários. São milhares de indicadores para a empresa poder colocar um desafio, e assim muitas empresas estão bem avançadas no ESG, colocando 20% no bônus dos executivos em indicadores que têm a ver com ESG.