Elas se uniram pela criatividade

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Professora e executiva da ESPM, Jane de Freitas Mündel está envolvida em projetos que valorizam a ação coletiva de mulheres; entre o fim de março e o início de abril, lançou, ao lado de 43 outras autoras, o livro “Uma sobe e puxa a outra” – Foto: Laura Margutti

Laura Margutti e Manuela Kara (1º semestre)

Jane de Freitas Mündel é apaixonada pelo que faz. Publicitária, professora e gerente nacional de Marketing e Inteligência de Mercado da ESPM, ela está às voltas com projetos que valorizam as relações solidárias entre mulheres, dentro e fora de seus campos de atuação profissional. No dia 28 de março, esteve à frente do encontro Circulando: Mais Mulheres no Mercado, realizado na ESPM, que contou com a presença de diversas mulheres que atuam na publicidade. O evento é uma iniciativa do Círculo de Criativas, coletivo internacional que tem um braço no Brasil.

No mesmo dia, também participou do lançamento do livro “Uma sobe e puxa a outra” — do qual é coautora —, que atraiu centenas de interessados à Livraria da Vila, no Shopping JK Iguatemi, em São Paulo. Coordenada por Christiane Pelajo, Dea Mendonça, Flávia Lippi e Luciana Herrmann Pierri, a coletânea – que também foi lançada em Brasília e no Rio de Janeiro, em abril – apresenta relatos de 44 mulheres, convidadas a falar sobre si e a pensar como podem se apoiar mutuamente.

Em entrevista ao Portal de Jornalismo ESPM, Mündel contou um pouco sobre sua trajetória e refletiu sobre a importância de as mulheres se darem as mãos.

Portal de Jornalismo ESPM – Como foi sua inserção no Círculo de Criativas?
Jane de Freitas Mündel – Eu sou publicitária de formação, formada pela ESPM; então, antes de qualquer coisa, eu sou publicitária por opção, por paixão e por formação. Além de dar aula no curso de CP [Comunicação e Publicidade], eu também sou executiva da casa, a head de marketing e inteligência de mercado da ESPM em nível nacional. Quando recebeu a ideia do evento Circulando: Mais Mulheres no Mercado, o professor Paulo Cunha, que é coordenador do curso, pensou em me envolver. O grande ponto foi participar desde o começo da formatação do evento. A Adriana Cury, que é uma publicitária extremamente reconhecida no mercado, foi quem teve a ideia do evento; ela é a representante do Círculo de Criativas no Brasil, coletivo que fala justamente da inserção das mulheres na criatividade. Ela trouxe a ideia, e eu ajudei a dar corpo, formatar essa ideia, procurando pessoas para compor os painéis. Fizemos um trabalho de curadoria para ter as pautas necessárias para levar para a sociedade nesse evento de dia todo.

PJE – O que significa para você participar do Círculo de Criativas?
JFM – O Círculo ainda é novidade. Eu faço parte, mas quem direciona é a Adriana Cury. O meu papel é fomentar a participação das mulheres na criação no mercado publicitário. Tem um olhar um pouco restrito, por termos detectado, em diversas pesquisas, a falta de criativas, falando especificamente de agências de propaganda, que atuem e subam de cargo, atingindo papéis de liderança, como a presidência da agência, a vice-presidência criativa, o c-level. É uma pauta que a gente de fato vai estimular, vai cutucar, para que a gente tenha mais mulheres ascendendo nos seus cargos e sendo respeitadas nas empresas.

PJE – Quais estratégias vocês têm usado para atingir esse objetivo?
JFM – Um grande passo foi a realização desse evento [Circulando: Mais Mulheres no Mercado]. Os painéis ajudaram a pautar o que está incomodando e onde a gente precisa atacar, mas principalmente a escolha das pessoas nos painéis ajudou a trazer a luz. Nós escolhemos dirigentes dessas áreas, mulheres que passam por situações de preconceito frequentemente e das mais diversas formas. Colocamos o dedo na ferida e provocamos reflexão. Perguntamos, inclusive, o que as empresas têm feito sobre isso. Nós saímos com uma agenda propositiva. O que é para ser feito? E com base nisso a gente vai levar para as autoridades, para as discussões de liderança, para conselho.

PJE – O que a participação no livro “Uma sobe e puxa a outra” representa em sua trajetória?
JFM – Uma coisa que para mim sempre esteve muito clara é que eu só vou subir trazendo gente comigo, para que o movimento seja de suporte, de apoio. Quando eu cresço, muitas pessoas crescem junto. Isso sempre me foi muito claro – não me pergunte como, mas talvez fosse a maneira como eu gostaria de ser puxada. E eu fui. Até cito no meu capítulo que tive gente importante me puxando no início da minha carreira, pelas quais eu sou muito grata. A partir desse modelo, que fez muito sentido para mim, eu desenhei um propósito para minha vida: eu vou puxar não importa quem. Eu puxo pessoas, mas se eu tiver que puxar mulheres, essa vai ser a minha bandeira. Em julho do ano passado, fui convidada por uma colega de trabalho, que é meu par numa outra instituição de ensino e minha amiga desde a adolescência, a participar do grupo Uma Sobe e Puxa a Outra. Aquilo bateu de um jeito que eu fico arrepiada até agora. É uma mulher que, teoricamente, é minha concorrente, mas ela me enxergou e não teve nenhum receio, quis me puxar. Eu nem sabia direito o que era, mas se é “uma puxa a outra”, eu tô dentro. E aí eu me deparei com um grupo de mulheres poderosíssimas, no sentido de força, e não só de cargos e liderança, o que também têm. Esse grupo começou no ano passado, em Cannes, no festival; elas estavam trocando informações sobre o evento quando perceberam a força do grupo. Então, em meados de 2022, sob a liderança de Natasha de Caiado Castro, isso começa a ganhar corpo e elas percebem que esse grupo tem potencial transformador. Elas podem unir essas forças, esses contatos e essas influências para atender a chamados por necessidade. Não é networking, networking é consequência. Então, não é “puxa” só para a vida profissional; é uma força diversa. E, então, elas começaram a puxar outras pessoas que tivessem os mesmos propósitos e valores e que compartilhem dessa vontade de puxar outras. Hoje, nós somamos mais de 300 mulheres, e só cresce. Mas tem regras claras: não vale puxar tapete, ter intenção egoísta; é para estar lá pelo coletivo. Esse “puxa” pode ser profissional, pessoal, emocional, social, e obviamente acontece networking. Outro dia, eu precisava do contato de uma pessoa superimportante, e não estava conseguindo; pedi para as meninas no grupo, e em dois minutos eu consegui.

As próprias autoras impulsionaram a divulgação do lançamento, em suas redes sociais; durante a primeira sessão de autógrafos, todos os exemplares disponíveis foram vendidos – Foto: Arquivo Pessoal

PJE – A sinopse do livro diz que “cada parágrafo lido é o relato nato de muitas lágrimas, gargalhadas, sonhos frustrados e realizados por mulheres que incentivam outras mulheres”. Que papel você considera que os afetos e as emoções desempenham nesse processo de ajuda mútua entre mulheres?
JFM – Em primeiro lugar, acho que acolhimento, para que todas possam se sentir abraçadas, e principalmente esse acolhimento durante o percurso da ascensão profissional, porque o sentimento de solidão é imenso. Sempre temos aquela dúvida: será que a outra que também está ascendendo sente o mesmo que eu? Será que se eu abrir meu coração estarei demonstrando fragilidade? Esse é o sentido do livro. Ali, é um lugar de acolhimento. Um lugar onde sua dor, sua lágrima e seu riso, com certeza, são partilhados por muitas outras. Nós nos impressionamos com o fato de que, não importa o quão celebridade seja a outra, quão bem-sucedida seja, sempre temos dores parecidas.

PJE – Como foi o lançamento do livro em São Paulo?
JFM – Foi incrível! De verdade, a gente parou o shopping. Eram 44 mulheres convidando todos os seus familiares e outras mulheres. Então, por aí, se cada uma leva dez, imagina quantas mulheres já não são?! Fora que nós tínhamos uma agenda marcadinha para impulsionar o livro todo dia. Em alguns dias, todas postavam: “É amanhã!”. Ou: “É hoje!”. Nesse postar, começamos a ampliar o número de convidados. A gente parou o shopping. Tinha filas dando voltas no andar. Os livros que estavam ali para a venda esgotaram, e a gente ouviu da editora que tem tudo para que possa ser um best-seller. Provavelmente, vai ter tradução para o inglês e para o espanhol. Estamos sendo convidadas para fazer lançamento em outros países, porque as pessoas se sentem inspiradas, não importa quem, não importa em qual cultura.

PJE – Que direcionamento você buscou dar ao seu capítulo?
JFM – Eu fiz um sobrevoo na minha vida, e usei uma figura de linguagem chamada “flâneur”, que é considerado um “observador”. É como se houvesse uma observadora, que sou eu mesma, indo para o passado. Sou eu, olhando no espelho, visitando a minha vida toda. Os principais focos são os valores adquiridos da minha família, do tipo: tudo é possível, desde que você tenha muito claro seus propósitos e valores. E aí também tem situações de perda, de perdas marcantes – de luto, de fato, até perdas em situações emocionais –, quando você se decepciona com atitudes, se depara com situações que não necessariamente te agradam, mas que fazem parte. Nós todas vamos viver. Então, é saber disso e como ter instrumentos necessários para superar, para ser resiliente. Eu deixo claro que me apoiei muito nos valores passados pelos meus pais, para que eu tivesse forças de seguir adiante, passar pelas perdas e ainda assim atingir algo que para eles talvez fosse difícil, mas que acreditavam ser possível para mim e para os meus irmãos, e por isso tenho essa gratidão e trago, como lição, fazer isso acontecer também.  Essas situações profissionais me deixaram pensando muito mesmo; então, ora [a escrita do capítulo] saía de uma vez, ora eu precisava me afastar de mim mesma. Então, eu dava um tempo, literalmente caminhava pela casa, tomava um banho… Entrei algumas vezes no chuveiro, sabe?, para realmente ter a sensação de esfriar um pouco. E em um momento desses, em que eu estava no chuveiro, fiquei pensando muito sobre essa temática de “uma sobe e puxa a outra”, dadas algumas vivências que tive, profissionalmente falando, que foram impactantes. Pensei que só faz sentido esse movimento enquanto for genuíno, de “uma sobe e puxa a outra”, e não uma sobe e chuta a outra. Isso é muito forte. Algumas das situações mais difíceis na minha vida foram causadas por outras mulheres, mas é algo que ninguém diz. Falar de sororidade é muito bonito, mas, quando a gente vive, nos deparamos com coisas para as quais não estamos preparadas. Ficamos diante da inveja, da competição, da puxada de tapete do mesmo gênero. Inclusive, durante o lançamento, estávamos falando a respeito disso, e uma das participantes teve a ideia de fazer uma camiseta escrito “uma sobe e chuta a outra”, com a palavra “chuta” riscada.

Há expectativa de que o livro seja publicado em outros idiomas – Foto: Divulgação

PJE – Que contribuições você considera que o livro oferece às mulheres?
JFM – A gente é lapidada para ser forte, e descobrimos que não precisa. Não precisamos perder nada da nossa essência para estar onde estamos. Essa jornada descrita no livro tem muito desse acolher.

#ParaTodosVerem: Na primeira foto, Jane de Freitas Mündel aparece gesticulando, com um sorriso no rosto, durante a entrevista. Na segunda foto, tirada no lançamento do livro “Uma sobe e puxa a outra”, três autoras estão vestindo camisetas pretas e uma participante do evento aparece vestindo roupa azul. Mündel é a primeira delas. A terceira foto mostra a capa do livro.