Estádio Beira Rio e Gigantinho, na orla do rio Guaíba, em Porto Alegre. Foto: Mari Regenin
Isabella Laste (3º semestre), Nicole Micheletti e Guilherme Paiva (1º semestre)
Até o fechamento deste texto, nesta terça-feira (7), o Rio Grande do Sul (RS) lamenta a morte de 90 pessoas, devido às intensas chuvas que assolaram a região desde o dia 30 de abril na semana passada. De acordo com o governo estadual, 850.422 pessoas foram impactadas pelas precipitações em 388 municípios gaúchos, afetando um total de 1,4 milhões de habitantes. Mais da metade das cidades do estado estão oficialmente em calamidade pública, graças a decretos dos governos federal e estadual publicados neste domingo (5). Além disso, o estado registra problemas como estradas bloqueadas, falta de água e luz e impactos em serviços públicos.
Para compreender a magnitude do desastre, é importante considerar que o Estado conta com 497 municípios e uma população total de 11,3 milhões de habitantes. Além disso, quatro mortes estão sob investigação. O número de desaparecidos chega a 111, enquanto 276 pessoas estão feridas. Até o momento, foram contabilizados 121.957 desalojados e 19.368 indivíduos em abrigos. As informações foram extraídas do relatório atualizado da Defesa Civil estadual às 9h desta terça-feira.
“É a visão de uma guerra”, diz Otávio Delazeri, gaúcho residente de Porto Alegre, felizmente não afetado pelas cheias na Capital. “Guerra por comida, guerra por água, guerra por sobrevivência”, completa. Otávio é estudante de Medicina na PUC-RS e serve como voluntário em abrigos e hospitais, levando mantimentos e oferecendo atendimento médico às vítimas da enchente. “Como voluntário já é desesperador só de ver a situação”, afirma Otávio.
Porto Alegre, a capital do Rio Grande do Sul, encontra-se entre as cidades mais impactadas pelas enchentes e alagamentos do país. Para deslocarem-se em áreas inundadas, os residentes têm recorrido a barcos, botes, boias e motos aquáticas. Na manhã de segunda-feira (6), o nível das águas atingiu 5,33 metros, ultrapassando o recorde histórico de 4,76 metros registrado em 1941.
Erika Alves, enfermeira voluntária na Igreja Nossa Senhora de Belém em Porto Alegre, comenta sobre a situação nos abrigos: “Existe muita gente com medo. Crianças sozinhas, sem roupas, sem documentos, sem água”. Segundo ela, muitos dos lugares que abrigam as vítimas da catástrofe lotaram rapidamente. Apesar de inúmeras doações sendo feitas por todo o país, a falta de alimentos, água potável, roupas e medicamentos ainda persiste. Erika conta ao Portal que a quantidade de abrigos atualmente na cidade de Porto Alegre é considerável: “Temos desde igrejas pequenas com 50 pessoas, até ginásios com mais de 200, não tem como precisar o número.”, afirma a enfermeira.
De acordo com relatórios da Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan), cerca de 750 mil usuários estão enfrentando interrupções no fornecimento de água em todo o estado. Em relação a Porto Alegre, o Departamento Municipal de Água e Esgoto (DMAE) divulgou que 80% da cidade está atualmente sem acesso ao abastecimento hídrico.
Municípios da região do Vale do Taquari, como Roca Sales, Muçum, Lajeado, Encantado e muitos outros, foram severamente afetados. Durante a semana, o rio ultrapassou a cota de 30 metros, superando as enchentes de 1941 e setembro de 2023. Segundo relatos de residentes em áreas afetadas nas plataformas de redes sociais, além da escassez de água encanada, os supermercados estão relatando pouco ou nenhum estoque de água mineral. Além da quantidade considerável de pessoas em abrigos necessitando recursos básicos. A população encara as consequências de enchentes pela segunda vez em 6 meses. Muitos perderam casas, carros e tudo que possuíam de bens materiais.
“A situação é muito mais grave do que se pode imaginar” relata ao Portal Luciano Zuffo, médico sócio fundador do Grupo São Pietro. O urologista comentou que não se vê a diminuição da altura do rio e não há previsão para a água baixar. “A água destruiu cidades inteiras como Espumoso e Roca Sales, esclarece o médico.
Zuffo ainda afirmou que nos próximos dias, a saúde do estado do Rio Grande do Sul pode entrar em colapso. “Para além do colapso estrutural, provavelmente teremos doenças infecciosas e intestinais em decorrência de quem tem contato com as águas contaminadas. A situação com a dengue e com as doenças respiratórias provocadas pelo inverno irão piorar o atendimento para além daqueles que precisam de ajuda depois das enchentes “, analisa o médico.
O urologista ainda adicionou que outra dificuldade é o fato de medicamentos e equipamentos não chegarem aos locais que precisam. Ele diz que as estradas foram destruídas com as enchentes e os hospitais também e com isso, os estoques foram danificados e o transporte de remédios para as unidades de saúde está comprometido. “Isso agrava ainda mais a situação do sistema de saúde” relata Zuffo.
Com a expectativa de ficar sem operações até o final deste mês, o Aeroporto Salgado Filho, localizado em Porto Alegre (RS), ficou completamente inundado. Devido às inundações na cidade, o aeroporto está sem funcionar desde sexta-feira passada. Atualmente, apenas equipes de segurança e administração do aeroporto estão presentes no local.
A partir do número de cidades e pessoas afetadas pelas chuvas,percebe-se que 70% dos municípios e 7,5% da população do estado foram atingidos pelas tempestades. Conforme informações do Inmet (Instituto Nacional de Meteorologia), a entrada de uma massa de ar frio na região sul do estado aumenta os perigos, trazendo chuvas e uma baixa nas temperaturas ao longo da semana. Prevê-se que as temperaturas caiam no Rio Grande do Sul, com a chegada prevista dessa massa de ar a partir de quarta-feira. Em certas regiões do estado, as temperaturas podem atingir mínimas de 10°C, o que representa um risco adicional ou uma piora na situação daqueles que ainda não foram resgatados e estão em áreas desprotegidas, sem acesso a abrigo ou comida.
Clima extremo é o “novo normal”?
Chuvas intensas no Sul, que culminaram na enchente do rio Itajaí, desabrigaram milhares de pessoas e levaram muitas vidas. Isso pode não ser apenas um caso isolado. Enquanto o Sul enfrenta inundações, o Sudeste sofre com ondas de calor.
O cientista brasileiro Carlos Nobre, referência mundial em mudanças climáticas, alerta que os desastres ambientais no Brasil, como as enchentes no Sul e as secas no Sudeste, tendem a ser cada vez mais frequentes e graves, conforme entrevista ao portal UOL.
A secretária de Mudança do Clima do Ministério do Meio Ambiente, Ana Toni, declarou na Câmara dos Deputados no dia 19/10/2023 que 3.679 municípios brasileiros, ou seja, 66% das cidades do país, não estão preparadas para as mudanças climáticas. Essa fala se comprova com os novos eventos, como informa o professor Maximiliano Engler, professor de geografia e urbanismo. Em seu canal no Instagram, ele explica que desastres naturais geram mais mortes devido ao despreparo urbano das cidades e à falta de estoque de itens básicos para emergências.
E o Brasil não é o único país enfrentando eventos climáticos extremos. Recentemente, Dubai sofreu com enchentes, o Canadá enfrentou ondas de calor extremo: “Um fenômeno que podia acontecer a cada 100, 200 anos lá atrás, agora está acontecendo frequentemente, e pode acontecer várias vezes por década”, afirma Carlos Nobre em entrevista ao UOL, enfatizando que esses eventos deixaram de ser fatos isolados e se tornaram casos recorrentes.