Opressão da (falta de) grana atinge milhões de brasileiros diariamente

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Por Bruna Masculi, Camila Fernandes de Oliveira e Juliana Noronha

»»»Nos últimos 100 anos, todos os indicadores sociais tiveram enorme evolução. O mundo nunca foi tão rico. A expectativa de vida nunca foi tão alta.

O Brasil não é exceção. Em 2016, de acordo com IBGE, o índice de analfabetismo chegou a 8% no país, o menor da história. A expectativa de vida alcançou 75 anos, outro recorde. A mortalidade infantil caiu 77% em 22 anos. Apesar do avanço em várias frentes, contudo, o Brasil segue sendo o 141o país no ranking da igualdade do Banco Mundial, em que a Suécia aparece como nação mais igualitária, enquanto África do Sul e Seychelles têm o maior nível de desigualdade social.

A contradição entre uma vida que melhora ao mesmo tempo em que a desigualdade impera no Brasil expõe o quanto a opressão econômica ainda escraviza – às vezes de modo invisível – milhões de pessoas no país.

“Historicamente falando, a desigualdade social no Brasil teve início desde o princípio. Mesmo antes de qualquer traço do capitalismo, o Brasil enquanto colônia inserida no sistema mercantilista já criava grande disparidade”, explica o filósofo e professor do curso de Ciências Sociais e do Consumo da ESPM-SP, Andrey Mendonça.

O jornalista especializado em relações internacionais Leonardo Trevisan afirma que há sim uma solução para esse problema social e que os países desenvolvidos já iniciaram um processo para alcançar a igualdade de renda. “Países como Suécia, Dinamarca, Noruega não deixaram de ser democráticos e já possuem um sistema para evitar esse fator. A diferença entre o maior salário e o menor salário nas empresas suecas nunca ultrapassa de seis a oito vezes, ou seja, esta pode ser uma medida exata para a gente começar a acabar com a desigualdade”, afirma.

Por trás da desigualdade que abre um abismo entre ricos e pobres, transformando os pobres em “cidadãos de segunda categoria”, está a lógica de uma sociedade capitalista em que o dinheiro é motor de todas as coisas. Isso afeta especialmente os mais pobres, mas também a classe média brasileira, que se equilibra entre cartões de crédito e cheques especiais para conseguir chegar ao fim do mês com algum crédito e sobreviver.

Nos miniperfis abaixo, cidadãos comuns comentam os efeitos, em suas vidas, dessa lógica do consumismo e da mercantilização da vida.

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Nathália Saddi, 25 anos, empresária

»»»Neta de comerciantes, Nathália  aprendeu desde pequena que o segredo do sucesso é ter o seu próprio negócio. Fundou sua indústria em 2014.
É atuante no ramo de manequins de fibra e atende lojas sofisticadas e de luxo. Por conta da crise, ela fala que reduziu custos, porém não obteve maiores dificuldades para fechar as contas no fim do mês.

Mas a relação de Nathália com seus funcionários é, segundo ela, complicada. “Nossa mão de obra é extremamente difícil, requer cuidado, agilidade e muita responsabilidade. Como empresária, eu vejo que  muitos querem ter um emprego,  mas poucos querem realmente trabalhar.”

“Eu creio que todos temos uma vida, mas para mim, trabalho é trabalho e devemos honrá-lo. É através dele que adquirimos nosso sustento e chegamos aonde queremos”, acredita Nathália.

A empresária disse que o seu objetivo de vida é ter dinheiro para pagar as suas contas, mas não descarta a possibilidade de criar um império dos manequins. “A gente trabalha para isso, dou duro todos os dias e acredito que o esforço é recompensador. Nunca pensei em ter uma grande empresa, mas caso venha acontecer, ficarei muito feliz”, disse.

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Maria das Neves, 61 anos, costureira

»»»Carismática e receptiva, Maria é moradora do Hotel Cambridge, espaço ocupado pela Frente pela Luta por Moradia (FLM). Suas rugas e mãos desgastadas revelam muito sobre o seu trabalho. “Eu vim de São Luís do Maranhão e morei um tempo na zona sul de São Paulo. Fiquei sem trabalho e a dificuldade para pagar o aluguel foi aumentando. Um dia eu passei aqui no centro e vi uma placa ali na José Bonifácio que dizia assim: quem estiver sem moradia, nos procure. Eu vim ver pra ter uma ideia do que era e acabei ficando até hoje” conta.

Antes de conhecer a ocupação, Maria tinha muitos preconceitos sobre o movimento. Ela conta que achava que só ali só havia “vagabundas, traficantes e marginais”. Hoje enxerga a questão de modo diferente. “Tem gente que estava morando debaixo do viaduto e que depois veio pra cá, conseguiu emprego por ter endereço fixo. Gente que veio pra cá e se deu valor, porque morava embaixo da ponte e se sentia a pior pessoa”, disse.

Maria já trabalhou como doméstica em casa de família e diz ter sofrido preconceito. “Eu não me sinto inferior a ninguém, mesmo minha patroa tendo atitudes que apontavam isso. Era preconceito puro por uma questão de renda. Eu  só tenho menos dinheiro e menos estudo, mas eu sei pensar e falar”, desabafa.

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Janice Ferreira, 32 anos, publicitária

»»»Janice, mais conhecida como Preta, sofreu pela falta de moradia desde a infância. Atualmente, como coordenadora do movimento Frente pela Luta por Moradia (FLM) e umas das líderes do Movimento Sem Teto do Centro (MSTC), fundado há 20 anos, ela tem ciência de seus direitos e demonstra isso com um sorriso no rosto. Não se abate facilmente com a opinião dos outros e sempre os responde à altura. Filha de Carmen Ferreira, líder do MSTC,  já fazia parte do movimento quando criança, como companheira da mãe nas reuniões.

“Já sofri preconceito racial, e na escola sofria por ser sem teto. Eu vivia no INSS na Nove de Julho e as pessoas tinham medo de se aproximar de mim porque eu morava num prédio ocupado”, relembra Preta.

A ocupação  do hotel Cambridge ocorreu em 2012 pelo MSTC. “Nós não entramos simplesmente. Se o prédio está sem função social da propriedade e o proprietário não tem condições de pagar os seus impostos, por que ele tem de deixar o prédio fechado, lacrado, enquanto famílias moram na rua?”, questiona.

“Como consta na Constituição, todo brasileiro tem direito à moradia. O governo é obrigado a dar residência aos filhos da pátria”. Esse é um dos argumentos utilizados por Preta para explicar as ocupações. Além disso, ela acrescenta que o movimento traz benefícios não só para os moradores e sim para a região ao redor. “O bairro foi revitalizado, ganhou vida. Hoje em dia tem mercado 24 horas, padaria na região, bares, pizzaria e ponto de táxi. Antigamente não tinha isso e o índice de violência era bem maior”, conta.

Ela fala que algumas pessoas têm um pensamento preconceituoso sobre os moradores das ocupações. “A galera pensa que sem teto é todo mundo pobre de baixa renda. Na verdade é todo mundo pobre, mas aqui tem educação. Há médicos, dentistas, advogados. O sem teto só não tem um lar, mas ele tem os mesmos direitos que qualquer um”, argumenta.

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Patrícia Noronha, 48 anos, dona de casa

»»»Patrícia trabalhou na área da educação, mas hoje é aposentada e dona de casa. Ela conta que as restrições econômicas influenciam bastante na administração de seu lar, principalmente com a crise. “O grande desafio é tentar economizar buscando a mesma qualidade”, diz. Patrícia mudou o cardápio da casa por conta da inflação e começou a ter hábitos que condizem com sua nova condição financeira. “A crise impacta diretamente na minha casa. Estou mudando algumas marcas para que não falte produto nos armários. Às vezes também deixo de comprar algumas coisas que considero supérfluas”, conta.

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Airton Costa, 51 anos, empresário

»»»O empresário Airton Costa é dono de um restaurante japonês e atualmente está investindo em mais dois negócios. Ele conta que a crise financeira não afetou os lucros do empreendimento porque as despesas foram readequadas à nova realidade. “A melhor maneira de manter o seu negócio em meio à crise é fazendo o seu melhor. Na hora do desespero, não diminuir a sua qualidade ou quantidade. Pelo contrário, você deve criar forças e se mostrar ainda mais para o mercado”, aconselha.

Outro ponto que Airton ressalta é a relação com os seus empregados. Para ele, esse vínculo deve ser o melhor possível para criar um ambiente harmonioso, no qual ambas as partes cumpram suas obrigações e deveres. ”Para mim, patrão e funcionário devem se unir para que haja uma força única. O negócio não é só do dono, se o empreendimento for bem, todos vão se sair bem”, explica.