História, luta e representatividade: qual o espaço da mulher no mundo do samba?

Nicole Borges à esquerda, Fernanda Mariano acima e Paula Azzam abaixo. /Foto: Arquivo Pessoal e Mulheres no Ritmo

Share

A evolução no meio das baterias universitárias é constante, mas ritmistas de escolas de samba enfrentam um desafio ainda maior

Caroline Rullo (8º semestre)

Ao longo da história do samba, assim como nos demais contextos da sociedade, as mulheres sempre foram marginalizadas e consideradas menos importantes que os homens. Essa cultura vem sofrendo alterações com as manifestações feministas, mas ainda é necessária uma luta por espaço nas diversas frentes do samba.

Durante o período de isolamento social causado pela pandemia do novo coronavírus, os integrantes de baterias foram impedidos de ensaiar. Nesse cenário, diversas baterias universitárias e projetos encabeçados por mulheres ritmistas têm produzido lives e demais conteúdos online para compartilhar situações machistas que as mulheres vivem no contexto do samba e evidenciar a importância da representatividade feminina nesse meio.

O movimento “Toque Como Uma Mina”, que nasceu na Bateria ESPM em 2016 e ganhou destaque ao redor de todo o Brasil, tem como objetivo empoderar as ritmistas e lutar contra o machismo existente no samba. Como resultado desse processo, a representatividade feminina na entidade está em crescimento e as mulheres estão cada vez mais ocupando cargos de liderança.

Nicole Borges (21), atual diretora de Recursos Humanos da Bateria ESPM, toca repique desde 2019 e desfilou no carnaval de 2020 pela bateria da escola de samba Águia de Ouro. Na sua visão, a bateria universitária vem passando por constantes mudanças em relação ao machismo e também aos demais comportamentos de repressão que eram considerados tradição, como o trote com os calouros. “Hoje as pessoas falam que não é humanamente aceitável. Acho que é uma tendência da nossa geração de reclamar que não está gostando”, comenta.

Antigamente, a Bateria ESPM contava majoritariamente com a presença de homens, tanto na gestão quanto na diretoria dos instrumentos e até como ritmistas que eram tidos como referência. Alguns instrumentos foram tocados apenas por homens durante muitos anos. Com o passar do tempo, as mulheres integrantes da bateria perceberam que elas também tinham capacidade de ser diretoras, mestres e ritmistas de renome. Esses espaços também podem ser chamados de “lugar de mulher”.

Paula Azzam (27) foi diretora da Bateria ESPM em 2013 e, atualmente, é diretora de tamborim na Bateria Ritmo Responsa, da escola de samba Colorado do Brás, e continua em contato com o universo das baterias universitárias. Sendo integrante da Bateria ESPM desde 2012, ela já presenciou incontáveis situações machistas na entidade, mas enxerga com esperança o movimento de mudança por parte dos novos ritmistas. Em 2017, Paula foi a primeira mulher a assumir a posição de mestre de processos da Bateria ESPM. “Foi muito simbólico, significativo e importante, não só para mim, mas para a bateria e todas as mulheres que fazem parte dela”, afirmou.

Além da ESPM, outras faculdades passam por essa evolução quase simultânea da representatividade feminina nas baterias universitárias. A Bateria S/A, formada pelos estudantes da FEA-USP, criou a iniciativa “S/A das Minas”, um quadro em seu perfil do Instagram para compartilhar conteúdos sobre mulheres e gerar uma reflexão sobre o machismo estrutural presente nas baterias universitárias.

Fernanda Mariano (23), toca agogô há 5 anos e assumiu a diretoria da Bateria S/A no ano de 2017, além de ter desfilado pela Colorado do Brás no carnaval de 2019. Ela entende que o machismo pode ser praticado de diversas formas no contexto do samba, como classificar instrumentos como “femininos” e “masculinos”, atitudes nas relações sociais entre os integrantes e o silenciamento de mulheres.

Assim como na Bateria ESPM, a mentalidade das novas gerações de ritmistas da Bateria S/A está causando uma mudança em relação ao repúdio à comportamentos, discussões e até na organização interna e estatutária das entidades. “Os novos estão entrando mais questionadores quanto a antigas ‘tradições’, rituais e brincadeiras e a evolução da discussão sobre opressão, principalmente entre as mulheres, fez com que muitas coisas que aconteceram no passado começassem a ser questionadas”, conta Fernanda.

O movimento de mudança em relação à representatividade feminina nas baterias universitárias também é acontece nas escolas de samba, porém de maneiras diferentes. De acordo com Paula, esse processo é mais lento no cenário do carnaval. Algumas escolas como a Colorado do Brás e a Mocidade Unida da Mooca, que acolhem muitos ritmistas de baterias universitárias, estão mais ativas na questão. Ainda assim, em outras escolas, como a Gaviões da Fiel, por exemplo, mulheres são proibidas de tocar determinados instrumentos. “Acho que por ser um ambiente ainda mais tradicional e com mais encontro de gerações, as estruturas são mais complexas e se demonstram mais rígidas”, afirma Fernanda.

O processo de mudança é árduo, mas acontece em todos os contextos do samba. Hoje em dia, diversas mulheres são referência em relação à técnica de instrumentos e até ocupam espaços de liderança. Mesmo assim, as mulheres que fazem parte do universo do samba ainda precisam lutar diariamente para provarem que são capazes de assumir posições com o mesmo ou maior sucesso que os homens.