Ditaduras marcaram toda a América Latina nos anos 1960

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Por Fernanda Baddini

A jornalista de cultura Elisabeth Lorenzotti, 67, estava no último ano do ensino médio do Colégio Estadual de Santana quando foi decretado o AI-5. Ela conta que mesmo antes da medida, com uns 13 anos, já participava de movimentos estudantis por meio da escola. “Era um dos colégios com maior participação em movimentos estudantis. Quando eu entrei tinha 12 anos e já nos distribuíam panfletos. Lá conhecemos tudo, desde questões comportamentais que estavam sendo revolucionadas até questões políticas”, conta.
Ela relembra do conflito armado que presenciou entre alunos da Universidade Presbiteriana Mackenzie e da Universidade de São Paulo, a chamada Guerra da Maria Antô- nia (leia mais sobre isso à pág. 30). “Foi muito violento, tinha gente armada.” Ela também tem más recordações da época de censura aos jornais. “Quando havia militares na redação escolhendo o que ia ou não ser publicado, começaram a colocar nas manchetes poemas de Camões e receitas de bolo”, conta.
A historiadora Cássia Maria Baddini lembra que, nos anos 1960, a América Latina era refém de diversas ditaduras militares – e todas com apoio do governo norte americano. “Não foi nada por acaso”, explica. O apoio norte-americano às ditaduras era uma reação à Revolução Cubana. “Os norte-americanos temeram que aquele modelo vitorioso se espalhasse para outros países da América Latina. Então não é por acaso que em 1959 acontece a revolução em Cuba e nos anos seguintes surgem ditaduras militares apoiadas pelos EUA”, reflete.
Não só a revolução, mas seu modelo incomodava. “Havia uma definição muito clara para os EUA, de que, até aquele momento, o continente americano era o seu reduto, sua área de dominação. Com a Revolução Cubana isso cai, e cai gravemente. Porque, primeiro, uma revolução socialista no quintal dos EUA necessariamente iria inspirar comunistas espalhados nos países vizinhos. Em segundo lugar, porque o modelo de revolução era, em tese, muito simples. Montar uma guerrilha é muito mais fácil do que um exército revolucionário”, explica.
O medo veio também, segundo Cássia, pelo contexto de Guerra Fria que o mundo enfrentava na época. “Naquele momento de Guerra Fria, quando os ânimos estavam exaltados, as ideias foram finalmente experimentadas. Porque até então só se tinha pensado o socialismo, a partir dali passou-se a vivê-lo. Essa bipolarização nada mais foi do que isso: a constatação de que o socialismo não estava mais preso à URSS, ele podia se espalhar pelo mundo, como de fato fez”, conta.