Julia Feresin
Thiago Morteira
Thaisa Giannakopoulos
»»»Laura está em seu quarto colorido sentada no chão, ao lado da cama. Em sua mão direita está um carrinho. Alguns outros brinquedos estão jogados no chão, fora do armário. Patrícia Menezes, a mãe, observa-a da porta do quarto. É hora do almoço.
Quando chegam à sala, encontram Roberta à mesa. Sentam-se. Agora a família está toda reunida: a filha e suas duas mães. Laura sempre viveu em um ambiente aconchegante onde teve todo o amor que qualquer criança deseja de seus pais. Inseminada artificialmente, nunca se queixou da falta de um pai conhecido.
Para o psicólogo Carlos Dalberto, é importante que a criança conviva com uma figura masculina, mas ela não necessariamente será o pai. Essa presença masculina pode vir de um irmão mais velho, de um tio, de padrinhos ou até de um avô. “Nós somos seres que temos aspectos masculinos e femininos. Precisamos desenvolver ambos. A criança precisa dessa figura masculina para ter o outro lado do entendimento.”
No caso de o filho não ter a presença de uma figura paterna em sua casa diariamente, a presença constante da família é ainda mais importante para suprir a ausência. Isso a ajudará a saber separar os sexos e entender as diferenças entre homem e mulher. Afinal, cada um tem características e diferenças que os separam e que têm que ser reconhecidas para aumentar sua visão de mundo.
Dalberto também defende que a família seja aberta com o filho sobre seu nascimento e sobre o pai. A conversa franca e honesta trará benefícios a ambos os lados, aumentando a confiança entre eles. “A criança tem que saber como ela veio ao mundo. Os pais muitas vezes têm medo, uma insegurança de fazer isso. Se a criança tiver sido gerada por duas pessoas, tem todo o direito de conhecer o pai. Caso contrário, se for por um banco de esperma, os pais devem sentar com a criança e explicar a sua história”, completa.
Nem todas as crianças têm o desejo de correr atrás do pai. Laura é fruto de uma fertilização in vitro e nunca quis conhecer o progenitor. Mesmo com idade suficiente para saber que a sua família pode não ser considerada tradicional, até hoje nunca tratou do assunto ou se sentiu prejudicada por isso.
Já o jovem Fábio, que pediu para não revelar seu sobrenome, é filho de mãe solteira. Desde pequeno teve curiosidade sobre a identidade de seu pai. “Quando fui tirar a minha identidade foi a primeira vez que senti um vazio na minha história”, conta. Em sua carteira de RG consta apenas o nome da sua mãe no espaço referente à sua filiação. Fábio nasceu no meio da década de 1990, quando milhares de mulheres buscaram a gravidez por meio de espermas de doadores.
Ele conta que a mãe utilizou um doador de uma clínica de fertilização. Tinha informações só sobre altura, peso, cor dos olhos, cabelo, tom de pele e idade. A falta de dados não foi um empecilho para a escolha. “Ela queria alguém que se parecesse com ela e com a família, acho que ficaria muito chateada se eu tivesse puxado o doador e não fosse parecido com ela”, relata Fábio.
Ele mora sozinho desde os 17 anos, quando saiu de Campinas, interior de São Paulo, e veio para a capital paulista fazer faculdade de arquitetura e buscar o pai.
Há mais de um ano começou a procurar na internet formas de tentar descobrir a identidade do doador, que, no Brasil, é uma informação sigilosa. No Reino Unido, na Noruega e na Alemanha, o anonimato já foi abolido quando os filhos maiores de 18 anos desejam conhecer a identidade dos doadores.
Fábio encontrou o apoio em ONGs e grupos de apoio aos filhos que buscam essas informações. Mais do que apenas nomes e dados, essas instituições buscam uma mudança na Constituição e uma alteração no sistema de doação de esperma no país. Querem proibir o anonimato do doador e que ele seja notificado cada vez que seu esperma seja utilizado e que houver gestação. Também querem garantir benefícios aos doadores, como o não direito dos filhos à herança depois da sua morte.
Questão Jurídica
O Conselho Federal de Medicina dá respaldo aos médicos e aos doadores e é a favor do sigilo da identidade. Na sua resolução nº 2.013/13, dispõe que “obrigatoriamente será mantido o sigilo sobre a identidade dos doadores de gametas e embriões, bem como dos receptores. Em situações especiais, as informações sobre doadores, por motivação médica, podem ser fornecidas exclusivamente para médicos, resguardando-se a identidade civil do doador”.
Mas a Constituição brasileira não é clara quanto ao tema. Por um lado, há o direito do doador de esperma à sua privacidade, direito de permanecer anônimo. Por outro lado, há o direito do filho à personalidade, ou seja, a conhecer o pai biológico.
O juiz Vitor Moreira Lima afirma que os direitos têm uma escala de importância. O direito a saber da identidade do pai, na opinião dele, prevalece. “É um caso que divide a jurisprudência. Eu entendo que o direito à paternidade é um dos direitos à personalidade, sendo irrenunciável e não podendo ser negado por terceiros”, relata.
Há alguns meses Fábio entrou na Justiça contra a clínica de fertilização onde a sua mãe realizou o procedimento. O processo ainda está em andamento e provavelmente demorará anos para ser julgado em definitivo.
Enquanto isso, ele se uniu a grupos que buscam medidas para regulamentar e atualizar esse debate. “Não precisei de um pai para me criar. Não vai ser agora que vou precisar de um. Só quero saber da existência dele e que ele saiba da minha”, conclui.