Covid-19: que sociedade irá nos deixar?

Share

Impactos de uma doença que marcou todos os pilares da humanidade

 

Ana Carolina Bilato, Iasmin Rao Paiva, Manoela Ravioli (3º. Sem)

 

A pandemia da Covid-19 foi uma boa oportunidade para refletirmos sobre o tempo. O pouco tempo em que a doença surgiu e se espalhou pelo mundo afora. O excesso de tempo para ficar em casa que permite pensar sobre diferentes coisas que antes não passavam pela cabeça das pessoas. O tempo incerto que nos resta para passar essa situação. E o tempo que a gente tinha com o mundo da forma como costumávamos olhar para ele. Tempo este que acabou, porque agora viveremos em outro tempo, com novos paradigmas e novas perspectivas. O que nos leva a pensar: como será esse tempo?

Durante esse momento isolados, sem contato com familiares, amigos ou colegas, além de distantes da rotina diária, é normal que essa e outras perguntas dominem nosso pensamento, deixando espaço para a o medo daquilo que ainda pode acontecer. Sidnei Pacheco, empresário, resume esse sentimento ao afirmar que a humanidade viveu outros momentos apavorantes que já se passaram, assim como “a pandemia atual também vai passar e a vida seguirá seu curso”. No entanto, para Pacheco, a diferença é que “na crise atual ainda temos o componente incerteza, o que nas passadas não existe mais”.

É certo, contudo, que após uma crise tão intensa e generalizada, o mundo não será o mesmo. Os pilares culturais, econômicos, sociais e políticos que sustentam a sociedade como conhecemos hoje estão sendo colocados em xeque e, ainda que não ocorra uma ruptura total deles, é muito possível que sejam rearranjados de forma a se adaptar às novas necessidades humanas. Diante disso, é importante indagar: quais aspectos serão alterados? E como essa mudança acontecerá?

Quem vai pagar pela conta da crise?

Depois da vida e da saúde pública, a economia é uma das questões mais pautadas durante o isolamento social ocasionado pela pandemia porque afeta diretamente o bolso das pessoas. O professor da ESPM Leonardo Trevisan, jornalista e especialista em economia, entende que esse momento de pandemia escancara algumas mazelas que o Brasil vive. Ele comenta sobre a “parcela invisível da população” que provavelmente será mais afetada pelos números apresentados acima. “Temos 55% da população brasileira trabalhando informalmente e isso mostra que a maior parte do povo é invisível para o estado”, comenta Trevisan.

O desemprego no Brasil cresce desenfreadamente atingindo 11,6% até final de fevereiro, em pesquisa feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Segundo o Ministério da Economia, 7 milhões de trabalhadores tiveram seu salário reduzido ou contratos suspensos, ainda sem citar a informalidade. Já o comércio experimentou a pior queda para um mês de março desde 2003, segundo dados do IBGE. Nas vendas de supermercados, produtos de necessidade básica, por exemplo, aumentaram em 14,6%. Como consequência, o mercado de bens duráveis esfria e tem declínio de 42% para vendas de roupas e 25,9% para móveis e eletrodomésticos.

Além de enfatizar a importância da presença do estado brasileiro, Trevisan também destaca que é preciso olhar para as pequenas empresas. “Noventa por cento do mundo empresarial brasileiro é composto por pequenas e médias. Estas precisam ser melhores observadas pelo estado porque representam 70% dos empregos”, completa.

Como medida de longo prazo, porém, eficiente, o especialista sugere a construção de uma economia mais sólida e fiel a leis e regras. “Economia informal não é saudável porque a pessoa não existe para o estado”, finaliza.

O Brasil pode ficar mais polarizado?

No Brasil, a crise do coronavírus interferiu em um quadro político-social já muito conturbado, marcado por desigualdade e polarização política muito fortes, fatores que são determinantes para a recuperação do país. Como indicado antes, pelo professor Leonardo Trevisan, a Covid-19 escancara o quanto o Brasil é um país desigual, algo que a população em si não prestava tanta atenção. Essa característica pode ser responsável por provocar consequências mais profundas durante a crise que enfrentamos.

Segundo a professora de Ciência Política da ESPM-SP Paola Gonçalves, a emergência da situação pareceu fazer com que os parlamentares deixassem de lado antigas polarizações para solucionar o problema de saúde. Contudo, a professora alerta que “não é possível prever o que ocorrerá com as polarizações após a crise, mas sabemos que a crise econômica exigirá ainda muito esforço coletivo”. Ainda, a falta de sintonia entre o governo federal e os governos estaduais e municipais foi algo mencionado pela cientista política como um fator que confunde a população. “Mesmo com a gravidade da crise, diversas lideranças políticas ainda estão fazendo cálculos eleitorais”, lamenta.

Monica Andersen, vice-chefe e professora do Departamento de Psicobiologia da Unifesp, acredita que iremos valorizar mais a saúde e as nossas relações pessoais, tanto dentro como fora de casa.

Por esse motivo, Mônica prevê um futuro mais altruísta: “As crianças de hoje vão ser adultos no futuro lembrando do que elas vivenciaram, e os adultos vão lembrar por muito tempo o que foi passar semanas dentro de casa sem o direito de sair, e não sair por conta da preocupação com o próximo. Então, sim, acredito que seremos um planeta melhor, e isso é pelo menos uma das lições que a gente tira”.

De maneira semelhante, Paola Gonçalves lembra que, para existir uma nação, a proximidade física não é necessária, porque depende de um sentimento de pertencimento e união provocado por diferentes aspectos, como cultura, história e costumes. E dessa forma conclui: “Uma crise como essa tem grande potencial de ampliar esse sentimento nacional”.

Teremos um desenvolvimento mais sustentável?

A pandemia não chegou ao fim e já é possível identificar impactos ambientais e marcas na natureza que o coronavírus vem deixando. Segundo o jornal O Estado de S. Paulo, a região metropolitana de São Paulo apresentou redução de 33% nos níveis de dióxido de nitrogênio entre março e abril, comparando com o ano anterior.

Já o consumo de água tem aumentado por conta de fazer parte da lista de profilaxias contra a Covid-19. Já se prevê um aumento entre 10% a 20% nos valores das contas deste serviço, segundo a Agência Brasil.

Professor e coordenador do Centro de Desenvolvimento Socioambiental (CEDS) da ESPM-SP, Marcus Nakagawa acredita que se houvesse uma relação mais sólida de respeito entre humanos e natureza, os impactos da Covid-19 seriam menos gritantes. “Se a gente pensasse no nosso ecossistema, nos animais, inclusive nos vírus, se tivéssemos educação em relação ao meio ambiente, provavelmente não estaríamos passando por tudo isso nessa intensidade. A reação da natureza é normal e somos nós, seres humanos, que interferimos.”

O especialista em sustentabilidade acredita que o momento vivido traz lições que servirão de exemplo e experiência, caso outra pandemia afete o mundo novamente. “É um aprendizado para que nós possamos lidar com a natureza de uma forma mais homogênea e síncrona, pensando em questões ligadas aos nossos impactos, consumo, poluição e carbono”, complementa Nakagawa.

“Espero que as empresas e instituições públicas comecem a levar em consideração medidas sustentáveis e que eles tenham um planejamento que não se baseie somente em âmbitos econômicos e de curto prazo”, recomenda para o futuro.

A arte será valorizada?

A cultura muitas vezes é considerada um gasto secundário. Enquanto houve alta em mercados e farmácias, o número de gastos com cinema, teatro, exposições caíram. Os artistas tiveram que se reinventar, apesar de já existir plataformas online para livros, filmes e séries, alguns escultores, artesãos e outros artistas plásticos têm dificuldades e, às vezes, sequer conseguem acesso à internet. “Os mais prejudicados serão aqueles que trabalham diretamente com a cultura, em especial em atividades que dependem de aglomeração como teatros e shows”, diz João Luiz Figueiredo, coordenador do Mestrado Profissional em Gestão e Economia Criativa da ESPM, em entrevista para a Folha de S. Paulo.

Segundo o IBGE, as empresas desse ramo representavam 5,2 milhões de pessoas em 2018. Pesquisas realizadas pela Secretaria de Cultura e Economia Criativa de São Paulo, durante a quarentena, apontaram que o prejuízo para a indústria cultural pode chegar até R$ 34,5 bilhões, equivalente a 1,7% do PIB estadual.

A Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo e o Fundo Social fizeram distribuições de cestas básicas para circos na capital. Apesar de iniciativas de artistas que optaram por realizarem shows e performance em lives nas redes sociais, plataformas que liberaram livros e filmes gratuitos, e museus que criaram exposições virtuais, ainda há um buraco nesse segmento.

Luiza Adas, administradora do perfil Florindo Linhas no Instagram, voltado para cultura e arte, afirma: “O impacto do coronavírus na cultura acontece na medida em que as atividades culturais são feitas exclusivamente na forma física e presencial, e claramente todo mundo está sendo afetado na crise. A gente vive uma sociedade que gira em torno do capital e fica difícil de as pessoas comprarem coisas consideradas secundárias, infelizmente a cultura entra nessa categoria“.

Contrapondo a visão negativa que tivemos durante esse “filme de terror”, inúmeros projetos foram criados, como o Museu do Isolamento, iniciado por Luiza Adas, com o objetivo de mostrar trabalhos de artistas que não são conhecidos. Manifesta Arte em Rede também é novidade, e reúne mais de trinta coletivos de artistas e projetos culturais de São Paulo que fará apresentações online.

“Agora mais do que nunca, as pequenas ações podem fazer muita diferença na vida dos artistas, dos produtores de conteúdo cultural, das instituições. Você compartilhar, publicar, comentar, indicar são pequenas ações que acabam ajudando muito”, completa Luiza.

Ainda há esperança?

O historiador Leandro Karnal refletiu em entrevista à CNN: “Quem tem esperança age”. O papa Francisco também se posicionou em relação a esse sentimento. “A esperança de um tempo melhor, no qual também nós possamos ser melhores, finalmente libertados do mal e desta pandemia”.

A estudante Sophia Acquaviva tem uma visão otimista para o futuro. “Acredito, que nós nos tornaremos pessoas mais empáticas, gratas e resilientes porque agora nossas atitudes, mais do que nunca, influenciam na vida de todos”, diz. “O cenário está caótico, algumas pessoas estão passando necessidade, e aqueles que são privilegiados estão percebendo o quão sortudos são e quanto até as pequenas coisas têm valor”, completa.

Já Larissa Rocha, também estudante, afirma: “O mundo ainda estará em estado de choque e com medo de algo parecido acontecer de novo e ao mesmo tempo buscando compensar tudo que não foi vivido durante esses dolorosos meses”, diz. “Muita gente estará desempregada, sem dinheiro, muitas famílias ainda vivendo o luto, a rotina vai demorar para se restabelecer totalmente, as marcas ficarão para sempre em quem viveu esse cenário”.