37 municípios brasileiros enfrentam alto risco de alagamento até 2030 e não apresentam plano contra inundações

Recife - Deslizamentos causados pela chuva na região metropolitana do Recife. Duas mulheres e uma criança da mesma família ficaram soterradas no bairro de Águas Compridas, em Olinda (Sumaia Villela/Agência Brasil)

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Deslizamentos causados pela chuva na região metropolitana do Recife em 2016. Foto: Sumaia Villela/Agência Brasil

Laura Prates (2º Semestre)

Um levantamento realizado com dados do AdaptaBrasil MCTI (Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação) aponta que os municípios que têm mais risco de alagamento e inundações até 2030 – mesmo no cenário mais otimista – estão no Norte e Nordeste do país. Entre os 37 municípios que têm índices de vulnerabilidade que vão de 0,95 a 1  – sendo 1 o nível mais alto – estão cidades como Coari (AM), Ribeirão (PE), Laranjal do Jari (AP) e Murici (AL), que enfrentam há anos os efeitos das mudanças climáticas e não contam com plano de adaptação ou estratégias estruturadas de prevenção a desastres.

Com base na Lei de Acesso à Informação (LAI), foram enviados pedidos formais às prefeituras de todos os 37 municípios para apurar a existência de planos municipais de adaptação climática. Apenas uma prefeitura respondeu dentro do prazo legal – vinte dias, prorrogáveis por mais 10 mediante justificativa. Na resposta, a prefeitura de Orós (CE) informou ter parceria com a Defesa Civil e afirmou que o plano de trabalho estaria sob responsabilidade deste órgão. No entanto, não foi fornecido nenhum documento comprobatório, e não há registro público de um plano municipal de adaptação climática no portal da transparência local. As demais não responderam até a conclusão desta reportagem.

Vulnerabilidades expostas

A análise cruzada entre os dados do AdaptaBrasil e os registros do Atlas Digital de Desastres no Brasil, da Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil (Sedec/MID), indica que a vulnerabilidade está ligada principalmente a fatores geográficos e estruturais. Muitas dessas cidades estão localizadas em áreas ribeirinhas, litorâneas ou com relevo plano, o que dificulta naturalmente o escoamento da água durante períodos de chuva intensa. Soma-se a esse cenário a ausência de redes pluviais, sistemas de drenagem e contenção adequados.

Segundo o professor da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos) Rafael Tiezzi, especialista em recursos hídricos e planejamento climático, o processo de urbanização no Brasil foi feito sem considerar a lógica natural das bacias hidrográficas. “A água corre para onde sempre correu. O problema é que hoje, no lugar do solo, há cimento, asfalto e lixo bloqueando seu caminho. Quando não há estrutura para escoamento, o destino é um só: a casa das pessoas”, explica.

As enchentes não são uma previsão, elas já aconteceram 

De acordo com o banco de dados do Atlas Digital de Desastres no Brasil, alguns dos municípios analisados já acumulam perdas significativas causadas por eventos climáticos extremos. Ribeirão, em Pernambuco, é o caso mais crítico: desde 2005, contabiliza R$ 223,2 milhões em prejuízos, com registros de enchentes anuais entre 2017 e 2022, que resultaram em milhares de desabrigados e comprometeram o funcionamento de escolas e unidades de saúde.

No município amazonense de Coari, mais de 50 mil pessoas foram diretamente afetadas por inundações entre 2013 e 2015. Em Murici, Alagoas, as perdas ultrapassam R$ 99 milhões. As enchentes destruíram áreas urbanas e agrícolas, com impactos severos sobre a economia local. Já em Laranjal do Jari, no Amapá, além das recorrentes inundações, os dados apontam para a incidência de doenças de veiculação hídrica, com efeitos particularmente graves na saúde infantil.

Para Tiezzi,  falar sobre adaptação climática no Brasil é uma urgência que não pode mais ser adiada. “A gente já passou do ponto de reversão. O que resta é adaptação e ela precisa ser feita com urgência, porque tem gente com a morte batendo na porta”, afirma. Segundo ele, a maioria das vítimas de desastres hidrológicos é composta por pessoas em situação de vulnerabilidade, que vivem em locais sem infraestrutura adequada e sem apoio contínuo do poder público. 

Falta de transparência

A ausência de respostas por parte das prefeituras também levanta uma discussão sobre transparência pública. Dos 37 municípios contatados apenas um respondeu — sem anexar documentos comprobatórios — ao pedido formal de informação enviado com base na Lei de Acesso à Informação (LAI).

A Lei nº 12.527, de 2011, conhecida como Lei de Acesso à Informação, estabelece que qualquer pessoa pode solicitar dados e documentos mantidos por órgãos e entidades públicas. O prazo legal para resposta é de até 20 dias, prorrogável por mais 10 mediante justificativa. A norma prevê que a omissão pode implicar responsabilização administrativa, cível e eleitoral, a depender do caso. A finalidade da legislação é permitir o controle social e garantir o acesso a informações relacionadas à gestão pública.

O advogado Bruno Morassutti, especialista em direito de acesso à informação, afirma que a falta de resposta não decorre exclusivamente de intenção deliberada. Em muitos municípios, segundo ele, o atendimento à LAI é dificultado por limitações operacionais e pela sobreposição de funções. “Há locais em que a mesma pessoa que fiscaliza obras, por exemplo, é responsável por responder os pedidos. Isso interfere na aplicação da lei”, afirma.

Morassutti observa que a solicitação de informações ainda é interpretada, em algumas gestões, como contestação política, e não como exercício de um direito. Ele afirma que o não cumprimento da LAI pode levar à abertura de processos administrativos e ações nos tribunais de contas. Em situações específicas, há previsão legal para responsabilização por improbidade.

O advogado também alerta para o peso jurídico da omissão diante de um risco climático conhecido: “Municípios que não integram esse risco no planejamento urbano, como nos planos diretores, falham em sua função legal. E quando não se toma nenhuma medida, pode haver responsabilização por omissão.”

Para Tiezzi, o custo da inação é alto. “Essas pessoas não morrem só porque choveu. Morrem porque o Estado falhou antes.”